domingo, 17 de fevereiro de 2008

Já Gastámos as Palavras

Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.

Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certezade que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos já nada para dar.
Dentro de tinão há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

Eugénio de Andrade

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

É Mentira

Estou vazia… Vazia de tudo, vazia de mim. Quando espreito pela janela indiscreta pela qual tento ver o mundo, nada mais vejo para além de dor e mágoa e lágrimas e gritos. Dentro de mim, nada mais há para além desse mundo que só eu vejo, mas que sou a única a não entender.

Soube que chamam a isso “vida”, mas se é do meu choro e dos meus gritos mundos que tenho de me alimentar, prefiro … Já nem sei!

O que quero?

Apenas a verdade e nem mais uma mentira. Quero chorar com a dor da verdade, mas ter a certeza que poderei sempre confiar, por mais dura que seja a realidade.

Sou livre de não aceitar a vida assim. Sou livre de correr dentro de mim mesma até encontrar um canto onde me posso refugiar e chorar até mais não. Tenho o direito de gritar sem ninguém me ouvir, e quando o grito se transformar em lágrimas palpáveis, não quero que me peçam para ter calma, porque não tenho culpa. Não pedi para viver, e muito menos pedi para que me mentissem.

Tenho inúmeros defeitos. Tantos que nem me atrevo a revelar nenhum com medo de esquecer os outros. Mas a sinceridade é algo que tenho e de que muito me orgulho. Nunca me arrependi por dizer o que penso, mesmo sabendo que jamais poderia ter o que mais amo depois.

Se não conseguir dizer uma verdade, manterei o silêncio em vez de mentir. Tudo menos mentir. MENTIR!

Perde-se a confiança nos outros. Mas o pior é que perdi a confiança em mim mesma, pois pus as mãos no fogo por quem depois mentiu. Sou ignorante ao ponto de não reconhecer em alguém o carácter mesquinho de quem conta uma mentira, com a intenção de não ser percebido.

Sinto que fiz a tal “figura de parva” de que tanta gente fala, e que foi com gosto que me enganaram. Não sinto arrependimento na atitude, e isso está a corroer o mais profundo de mim.

Já não sei viver. Não sei o que é o pudor, a vergonha, o arrependimento. Ninguém mais age de acordo com princípios aparentemente tão simples…